Trissomia 21 Vs Covid-19

30.3.20

Começo por vos dizer que este texto não foi escrito por mim mas sim pelo Dr. Miguel Palha - Peditara do Neurodesenvolvimento.

O primeiro médico que nos acolheu neste mundo, que tem também uma filha com Trissomia 21, já na casa dos 30. O médico que escreveu o prefácio do meu livro. Um médico que confio e que respeito pelo seu trabalho de investigação.

Atento à pandemia que o nosso país enfrenta escreveu sobre o COVID 19 e a Trissomia 21 e porque este cantinho tornou-se num blog de referência partilho também esta informação útil e esclarecedora para todos os pais que têm filhos com necessidade especiais.

"As pessoas com trissomia 21 apresentam, pensa-se, um maior risco de infecção pelo Covid-19, embora esta afirmação careça, no tempo presente, de validade científica objectiva. Esta maior vulnerabilidade, não só para a contracção da infecção a COVID-19, mas, também e sobretudo, para a gravidade da mesma, poderá estar relacionada com, entre outros, os seguintes factores:

  • As pessoas com trissomia 21 têm uma prevalência muito aumentada de défices da imunidade, fenómeno abundantemente investigado por diversas equipas de cientistas;
  • As pessoas com trissomia 21 apresentam, quase universalmente, uma forma moderada a grave de hipotonia muscular (geradora de uma menor capacidade de drenagem das secreções pulmonares);
  • As pessoas com trissomia 21 têm uma muito maior incidência (e prevalência) de alterações anatómicas e funcionais significativas, mormente cardíacas, renais e de outros órgãos e sistemas;
  • As pessoas com trissomia 21 apresentam uma prevalência muito aumentada de obesidade, ela própria um factor de risco para as infecções, nomeadamente pulmonares, e para um estado de inflamação crónico;
  • As pessoas com trissomia 21, por razões ainda não bem conhecidas, experimentam um processo de envelhecimento precoce, expresso, não raramente, sobretudo a partir dos 35 de idade, por manifestações clínicas compatíveis com a Doença de Alzheimer;
  • As pessoas com trissomia 21 exibem, amiúde, comportamentos de risco motivados pelo défice cognitivo, expressos por uma menor capacidade de adopção de medidas de protecção (afastamento físico do interlocutor adequado, lavagem das mãos eficaz e regular, etc., …);
  • Nas pessoas com trissomia 21, sobretudo naquelas com idade superior a 18 anos, há, reconhecidamente, uma elevada taxa de institucionalização, facto potenciador da transmissão do agente patogénico;
  • Adicionalmente, num cenário de escassez de oferta de cuidados de saúde, designadamente a disponibilidade de cuidados intensivos, as pessoas com trissomia 21, serão, quase de certeza, preteridas no acesso aos mesmos. A título de exemplo, transcrevemos as orientações propostas recentemente para as unidades de saúde do estado americano do Alabama: “… new guidance published Alabama officials says that persons with severe mental retardation, advanced dementia or severe traumatic brain injury may be poor candidates for ventilator support”.

Até ao momento (28-03-2020), não encontrámos, na imprensa médica, referências relativas à morbilidade e à mortalidade das pessoas com trissomia 21 infectadas com o COVID-19. Há, tão-somente, o relato de uma cidadã norte-americana com trissomia 21, de 67 anos de idade, Emily Wallace, que terá morrido da doença em causa, sem que tivesse conseguido aceder a uma unidade de cuidados intensivos, aparentemente por decisão médica.

Depois de estudada a bibliografia médica internacional disponível e recente, embora muito escassa, sobre a infecção a COVID-19 na população com trissomia 21, recomendamos, genericamente, para as pessoas afectadas por esta doença genética:

  • Execução, rigorosa e activa, das recomendações emanadas pela Direcção Geral de Saúde, como, entre outras:
  • Isolamento social absoluto;
  • Afastamento físico dos interlocutores (superior a 2 metros), mesmo familiares;
  • Lavagem frequente das mãos com solutos apropriados;
  • Prática frequente e moderada de exercício físico (nas situações de confinamento a uma casa sem jardim ou similar, poderá praticar-se dança, ginástica, etc., …);
  • Alimentação saudável e variada, pouco calórica, com inclusão aumentada de alimentos ricos em vitaminas, oligo-elementos e anti-oxidantes, como frutas e legumes;
  • Administração de um polivitamínico corrente, que inclua a maioria das vitaminas e dos oligo-elementos, em doses estritamente convencionais (doses acrescidas de vitaminas poderão ser contraproducentes e até prejudiciais);
  • Cumprimento rigoroso do calendário vacinal recomendado para a trissomia 21;
  • Tratamento vigoroso de qualquer outra doença entretanto diagnosticada (infecção urinária; furunculose; cáries dentárias; gengivites; conjuntivites; etc., …);
  • Proporcionar um ambiente muito rico e estimulante de um ponto de vista cognitivo e linguístico, a fim de se evitar a ocorrência das diversas e indesejáveis regressões neurodesenvolvimentais, bem como de patologia do foro da saúde mental, sobretudo as perturbações depressivas;
  • No caso de serem notadas manifestações sugestivas de infecção a COVID-19 (tosse; febre; dificuldade respiratória; falta de forças; etc., …), deverá ser estabelecido um contacto, imediato, com o SNS24.
Iremos, de certeza, ultrapassar esta vicissitude. Sobretudo, se tivermos sempre presentes, no nosso pensamento, os preceitos éticos e humanistas que nos são tão caros e que nos guiam: o princípio da discriminação positiva e da inclusão social; e o ideal da valorização das diferenças das pessoas mais vulneráveis, mormente com perturbação do neurodesenvolvimento intelectual".



Miguel Palha
Pediatra do Neurodesenvolvimento


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