O irmão mais velho

23.5.19
Carta para o meu irmão:

Olá mano!

Tinha mais ou menos 5 anos quando comecei a perceber que algo de estranho se ia passar. A mãe e o pai andavam muito felizes e as pessoas ligavam a dar os parabéns! Por momentos pensei que podia haver bolo de anos todos os dias, mas nada. Parecido com um bolo só mesmo a barriga da mãe que começou a crescer cada vez mais.

Lembro-me de ter ido a um sítio, em que puseram uma coisa viscosa na barriga da mãe e de repente apareceu num écran uma mancha preta. O pai disse-me que aquele eras tu! Fiquei meio baralhado com a cor da tua pele e parecias um boneco daqueles que há nos supermercados dentro de caixas.

Via o pai e a mãe a falarem com a barriga da mãe, e a dizerem que te estavas a mexer… Não estava a perceber muito bem o que se estava a passar… A única coisa que percebi é que aquela bola dentro da barriga da mãe se chamava irmão. A minha educadora disse-me que ter um irmão era uma coisa muito boa. Não fiquei lá muito convencido…

Confesso que não pensei muito mais no assunto até ao dia em que nasceste. Nesse dia, fiquei um bocado assustado. A mãe tinha muitas dores, respirava com muita força e gritava, o pai muito apressado a ligar à avó para vir cá para casa para ficar comigo. Sairam os dois à pressa. A avó explicou-me que vinhas a caminho…Esperei algum tempo para ver se tocavas à campainha mas até ir dormir não aconteceu nada.

No dia seguinte, o pai veio buscar-me e mostrou-me uma fotografia tua no telemóvel. Achei-te pequenino e muito vermelho, como quando faço muita força. Não percebi muito bem para que servias e o que estavas ali a fazer ao colo da minha mãe. Fui com o pai ao hospital ver a mãe e puseram-te o meu colo. O pai e a mãe começaram a chorar, não percebi se estavam tristes ou contentes. Dessa vez reparei que afinal eras um bocadinho diferente dos bonecos do supermercado e achei-te alguma piada. Foi aqui que te abri as portas do meu coração.

Comecei a perceber melhor quem eras quando fomos para casa e tu… também vieste! Não achei muita piada quando vi que ias dormir no quarto dos MEUS pais, nem quando a família e os amigos dos pais nos visitavam e só olhavam e levavam prendas para ti, ainda por cima eu é que tinha de as abrir. Dessa forma descobri o que no coração de quem gosta de nós, há espaço para todos.

Mesmo assim não me saia da cabeça que já não era assim tão importante para os pais, avós e tios e que eles gostavam mais de ti do que de mim. O que teria eu feito de mal para os pais me quererem substituir? Foi aqui que descobri o que era a insegurança.

Comecei a achar ainda menos piada quando eu não podia fazer barulho nem ia ao parque porque tu estavas a dormir ou tinhas de mamar. Mas é que não fazias mais nada!! Para além disso estavas sempre ao colo de alguém… onde eu também gostava de estar! Foi assim que descobri o ciúme.

Ás vezes ouvia-te chorar e sentia vontade de te pôr a chucha, os pais diziam que te acalmavas com a chucha e resultava mesmo. Foi assim que descobri a preocupação e a vontade de ajudar-te e de ver-te bem.

Os pais diziam a toda a gente que tu eras muito mais calminho do que eu tinha sido quando era pequenino, enquanto sorriam para ti todos babados.

Por momentos tive vontade de ser um bebé como tu… a mãe contou-me que nessa altura voltei a fazer chichi na cama, e que também pedi para ter chucha outra vez. Também fiquei algumas vezes de castigo pelas birras que comecei a fazer. Assim descobri que ser crescido e saber resolver as dificuldades faz parte da vida.

A mãe deixou de ter tanto tempo para mim, explicou-me que naquela altura eras muito pequenino e que precisavas de muita atenção e cuidado mas que gostava muito que eu a ajudasse a cuidar de ti. Perguntei se podia ser só depois de ver a “patrulha pata” e ela riu-se. Ficavas ao pé de mim enquanto eu via televisão e a mãe e o pai preparavam o nosso jantar. Foi assim que descobri que o tempo ao teu lado também pode ser bom.

Nunca consegui mudar-te a fralda…Cheiravas mesmo mal!! Mas segurava a tua mão para não chorares com o frio. Às vezes a mãe esquecia-se do teu creme e saia do quarto para ir buscar. Tinha de ficar lá contigo para olhar por ti… Nesses momentos descobri a responsabilidade de ser teu irmão. E quer acredites, quer não, isto nunca mais desapareceu…

Deixou de ser a mãe a dar-me banho, a preparar-me o pequeno almoço de manhã e levar-me à escola. No início achei estranho, mas foi fixe poder passar mais tempo com o pai e fazer mais coisas com ele. O pai dizia que tínhamos de ter muita paciência e que era só uma fase. Aqui descobri que gostava mais do pai do que pensava.

Todos diziam que ser o irmão mais velho era muito importante e muito bom… não percebi porquê até ao momento em que começaste a sorrir para mim quando eu chegava ao pé de ti e a dar gargalhadas quando te fazia caretas. Em que choravas quando eu ia para a escola, ou os teus braços se estendiam para vires para o meu colo. Os teus primeiros passos também foram para vires até mim. Nesses momentos, descobri o carinho e o amor por ti.

Quando começaste a andar e conseguias apanhar, brincar e estragar os meus brinquedos, tinha vontade de te matar! Nesses momentos descobri a raiva mas também a paciência!

Os dias, os fins de semana, as férias, o banco do carro, a casa da avó, o colo dos pais, o meu quarto, as minhas roupas, tudo começou a ser, de repente, ocupado também por ti… Mas eras meu irmão, era o momento de perceber o que é a partilha.

Entraste para a mesma escola que eu, e de vez em quando ia espreitar-te à sala e ao recreio. Quando via alguém meter-se contigo tinha vontade de ir a correr e defender-te mas lembrava-me do que o pai e a mãe dizia: tinhas de aprender a resolver as coisas sozinho. Nesses momentos descobri que não poderei sempre proteger-te das quedas mas que estarei sempre aqui para te ajudar a levantar.

Mentiria se dissesse que não eras muito chato quando andavas sempre atrás de mim, só querias brincar comigo e imitavas-me no que eu dizia e no que fazia (ainda hoje fazes isso) mas foi assim que descobri o que é ser um exemplo para alguém!

Fomos crescendo e apresentavas-me com orgulho aos teus amigos, perguntavas-me a matéria da escola porque dizias que só eu te conseguia ensinar, querias os meus conselhos, falavas-me sobre as tuas namoradas ou sobre as tentativas falhadas e tentavas convencer os pais a tirarem-me do castigo quando às vezes discutíamos ou brigávamos. Como eu era o mais velho tinha sempre a culpa. Foi aqui que descobri o companheirismo e a amizade.

Ainda muitas coisas irão acontecer na nossa vida, poderás continuar a ser o filho ou o neto preferido da mãe e dos avós, seremos pais dos nossos filhos, os nossos pais irão envelhecer e seremos só nós depois, não estaremos de acordo em muitas coisas e seremos sempre diferentes, mas uma coisa é certa, é bom saber que este caminho é feito ao teu lado. 



Dicas para ajudar na adaptação do irmão mais velho à chegada do novo irmão:

  • Envolver o irmão mais velho na evolução do bebé na barriga da mãe, participar em ecografias, promover a interação com o bebé dentro da barriga;
  • Permitir a participação na escolha do nome e noutras decisões relativamente ao quarto, roupa e brinquedos do bebé; 
  • Antecipar de forma gradual as mudanças na rotina do irmão mais velho (o quarto/cama, se é a mãe a dar banho e a adormecer, essa tarefa começar a ser feita também pelo pai, se entrar para a creche/JI fazê-lo antes do nascimento do irmão); 
  • Aceitar, sem julgar o filho mais velho, que o ciúme faz parte desta fase e ajudá-lo a verbalizar o que sente, seja esse sentimento de ciúme, de insegurança ou de alegria; 
  • Validar e dar nomes aos sentimentos da criança “sei que está a ser difícil esta mudança…”, “sei que gostava que tivéssemos mais tempo só para nós…”; 
  • Após o nascimento, convidar o irmão mãos velho para participar nas rotinas do bebé (dar banho, preparar o biberão, escolher a roupa, ajudar na muda da fralda), elogiando-o pela sua capacidade de ajudar a cuidar do irmão; 
  • Enquanto fala com o filho mais novo, referir a sorte que tem por ter um irmão que cuida dele e que tem tantas coisas para o ensinar; 
  • (Especialmente para a mãe nos primeiros meses: encontrar pelo menos 15 minutos diários com a criança mais velha, enquanto o bebé dorme ou o pai está com ele, dando—lhe a possibilidade de escolher a atividade que quer fazer consigo – ler a história, dar banho, jogar, ajudar nos TPC, luta de cócegas ou de almofadas); 
  • Evitar responsabilizar o irmão mais velho pelo irmão mais novo, exigindo-lhe que faça tudo bem porque tem de dar o exemplo (isto pode levar a que o irmão mais velho sinta pressão e veja o irmão como um fardo); 
  • Valorizar as características de cada filho, evitando as comparações (de forma a evitar o sentido de competição entre irmãos); 
  • Se o irmão mais novo estragar algum brinquedo, sejam advogados de defesa, explicando que o irmão mais pequenino não fez por mal, enquanto tentam arranjar o brinquedo; 
  • Dividir de forma equilibrada o tempo e a atenção entre os filhos. Ter mais idade, não significa precisar de menos atenção. 


Se os comportamentos desajustados do irmão mais velho influenciarem o bem estar da família e permanecerem no tempo, pode ser importante procurarem ajuda de um especialista, para que possam viver esta fase de forma mais tranquila.

Com regras e com amor,
A vossa psicóloga,

Ana Trindade

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