Os filhos não salvam casamentos

31.1.19


A decisão da paternidade, quando feita em consciência, é o maior ato de coragem e de amor que alguém pode ter. É também a mais profunda oportunidade da vida para se visitar os lugares mais assustadores e mais bonitos do coração.

Quando nasce uma criança, nasce consigo uma mãe, um pai, um irmão (quando é o caso), toda uma nova família. O processo repete-se com cada criança que cada família recebe, pois as características das crianças, a experiência dos pais e o momento da vida do nascimento, tornam cada situação única.

Que mulher nasce numa mãe quando sente o seu bebé a crescer dentro de si e a depender de si para viver? O que sente o homem que deixa de ser o centro das atenções da mulher com quem escolheu partilhar a vida? O que acontece a uma relação que soma novos elementos à sua equação a dois?
Porque é que as pessoas têm filhos?

A resposta a esta questão tem sofrido algumas alterações ao longo do tempo, de acordo com a evolução da sociedade, da ciência e da industrialização. Se nas sociedades agrárias, as famílias tinham muitos filhos e a taxa de mortalidade infantil era muito elevada, ter vários filhos aumentava a probabilidade de alguns atingirem a maturidade e ajudarem as suas famílias no trabalho.

No que diz respeito aos tempos atuais, a perspetiva de ter filhos é vista de formas distintas. Nos Estados Unidos, foram estudados 600 casais nos primeiros 6 anos de casamento e a maioria via as crianças como uma necessidade de ter “uma verdadeira vida familiar”, como fonte de amor e afeto e como amortecedores contra a solidão. Contudo, também viam desvantagens na parentalidade: mudanças no estilo de vida, custos financeiros e problemas de carreira para as mulheres. Quase metade destes casais avaliaram outros valores – uma carreira satisfatória, tempo para estar com o cônjuge, dinheiro extra ou uma casa arrumada e ordenada – tão ou mais importantes do que ter filhos (Neal, Grout, & Wicks, 1989). Outro fator determinante é a continuidade da espécie e do código genético de cada indivíduo. 



A Mãe e o Pai

De acordo com Papalia, D., Olds, S.W., Feldman, R.D. (2001), a decisão, o momento e as circunstâncias da parentalidade podem ter vastas consequências para uma criança e para o respetivo casal. Se um nascimento foi planeado ou acidental, se a gravidez foi desejada ou não, a idade dos pais, o relacionamento do casal, as expetativas em relação à parentalidade, as condições socioeconómicas, etc.



No Nepal, um termo para gravidez, significa “estar com dois corpos” (Escarce,1989).

Esta experiência da maternidade não é vivida de igual forma para todas as mulheres, cada uma vive e aceita todas as mudanças físicas, emocionais e do próprio ritmo e estilo de vida que a gravidez trás de formas distintas. A vivência depende dos fatores enumerados em cima, assim como das características pessoais de cada mulher, do desenvolvimento da gravidez, dos projetos em relação à sua carreira profissional e também dos vários papéis que desempenha.

A verdade é que o corpo e a vida da mãe passa a ser ocupado e preenchido por um novo ser, que se torna, em casos normais, a principal prioridade para a mãe. Já nada volta a ser como antes, o coração de uma mãe jamais volta a bater sozinho. O que a mãe faz, o que diz, o que sente, o que pensa, o que come é desde o momento da conceção partilhado com aquele novo ser. A vida da mãe torna-se numa espécie de mural de facebook, sem qualquer direito a privacidade em relação ao seu filho.

E quanto ao amor, nasce logo de início? Nem sempre. Algumas mulheres afirmam que amam os seus filhos desde que recebem a notícia e ouvem as primeiras batidas do coração do seu filho, outras vão deixando o amor crescer ao mesmo ritmo da sua barriga, ou com o nascimento do bebé, na partilha do tempo em que passam juntos e na descoberta mútua. Seja como for, está tudo certo.

Quando o bebé nasce, existe ainda uma ligação umbilical, não havendo distinção para o bebé entre ele e a sua mãe. Para ele, ambos são um, dependendo exclusivamente da mãe para sobreviver.

A mulher, assumindo este lugar de total protagonista, muitas vezes deixa-se absorver pelo cansaço e pelo estado de encantamento por este ser, que passará a ser o seu grande amor.

Talvez por isso, muitas mulheres, queiram assumir o total controlo dos cuidados primários aos seus filhos, dando pouco espaço aos pais para explorarem, errarem e acertarem nos cuidados a ter com o bebé.

Muito se fala das mães, contudo, os pais também enfrentam bastantes mudanças neste processo, principalmente no plano que passam a ocupar na vida das suas mulheres e do lugar que as mulheres permitam que eles ocupem enquanto pais.

Tudo aquilo que a mãe sente por força das alterações hormonais e das consequências de ter uma vida a crescer dentro de si, o pai sente fora, num processo muitas vezes mais lento e menos intenso. O homem, nas situações ideais, acompanha o processo e todas as modificações da mulher, sentindo até alguns sintomas por “simpatia”. O lugar que o pai ocupa na vida da criança, depende muito da cultura em que está inserido (em algumas culturas o jogo e a brincadeira estão mais associadas à figura paterna, e noutras a um papel mais calmo), das suas tomadas de iniciativa, contudo, a mulher tem também um papel determinante na forma de o pai vivenciar a paternidade. Viver tudo o que for possível a três, desde a gravidez, ao parto e ao crescimento da criança, só vai beneficiar todos e principalmente fortalecer as relações. Quando a mulher encosta a sua barriga, na barriga do pai, no momento em que o bebé se mexe está a proporcionar uma das experiências mais bonitas da parentalidade.

Para a mulher é importante que o pai participe nas consultas, nos cursos de preparação, que compre roupinhas, que preparem o quarto do bebe em conjunto, que oiça os seus medos, as suas dúvidas, que tenha doses infinitas de paciência…

O homem é aparentemente menos exigente, sendo importante para si que a mulher lhe dê tempo e espaço para ser pai e para que as coisas também possam ser feita à sua maneira, sem serem constantemente alvo de crítica por parte da mulher, como se só ela soubesse a forma certa de cuidar e educar a criança. Este padrão de comportamento das mulheres, leva muitas vezes a um afastamento e a uma desresponsabilização dos pais pelos cuidados e educação das crianças. Para o homem, também é importante que a mulher não se esqueça de se cuidar, de se arranjar, de ser a mulher por quem se apaixonou. 



A experiência da parentalidade que se intensifica com o tempo e com a tomada de consciência do que é educar uma criança e do que é ser pai e mãe, promove o desenvolvimento psicossocial, Este processo pode desenvolver um trabalho psicológico sobre relações não resolvidas com os seus próprios pais, o que os pode fazer adquirir um novo respeito por eles (Papalia, D., Olds, S.W., Feldman, R.D. (2001); por outro lado, a reflexão sobre que pais queremos ser, poderá levar a um questionamento do que os nossos pais foram connosco, desencadeando a vontade de querer ser melhores pais do que os nossos pais foram, podendo trazer ao de cima alguns conflitos e problemas que poderiam estar guardados a algum tempo.

O que acontece num “casamento” com o nascimento de um filho?

Foram estudados 128 casais, próximos dos 30 anos, de classe média e da classe operária, desde a primeira gravidez até ao terceiro aniversário da criança. Apesar de alguns dos casamentos terem melhorado, muitos sofreram mudanças, em termos gerais, especialmente aos olhos das mulheres (Belsky & Rovine, 1990). Muitos cônjuges referiram gostarem menos um do outro, terem-se tornado mis ambivalentes face à sua relação, discutirem mais e comunicarem menos. Esta avaliação era válida independentemente de o casal ter um segundo filho quando o primeiro filho completava 3 anos.

Esta experiência também revelou que constituíam casamentos mais frágeis, aqueles em que os parceiros eram mais novos, tivessem um nível de escolaridade mais baixo, ganhassem menos dinheiro e estivessem casados há menos tempo. Um ou ambos os parceiros tinham tendência para ter baixa autoestima e, os maridos tinham tendência para ser menos sensíveis. Os casais mais românticos antes de terem o bebé, tiveram mais problemas depois de o bebé nascer, talvez por terem expetativas pouco realistas. A divisão das tarefas domésticas também parece ser um fator determinante para a qualidade do relacionamento entre um casal.

As estatísticas mostram que a taxa de divórcio está a aumentar cada vez mais e nos casos em que existem filhos, as crianças estão em faixas etárias cada vez mais baixas. Como vimos, a chegada de uma criança, vem trazer sentimentos distintos e muitas mudanças na vida do casal. A individualidade e a relação é constantemente posta à prova principalmente nos primeiros anos e é necessária muita atenção, comunicação, tempo e experiências vividas apenas a dois para que as fragilidades se possam ir substituindo em forças do casal. É natural que o foco da atenção e das rotinas passe a ser a criança e que todos os pais desejem viver em plenitude o amor que sentem pelos filhos, querendo aproveitar cada segundo. Todavia, e se não houver alguma disciplina, quando derem por si, o único tema que os casais têm em comum é o jantar, os banhos, a natação e a escola das crianças, e no tempo livre sobra pouco tempo para que o pai e a mãe encontrem o homem e a mulher com quem decidiram partilhar a vida. Estes pormenores juntos, levam a um gradual afastamento do casal, que muitas das vezes tem um impacto negativo nas crianças. Os filhos são os primeiros a perceber se os pais são ou não felizes. 


Assim, é importante que o casal viva esta fase de forma descontraída, de mãos dadas, não se esquecendo que antes de serem três (ou mais), eram apenas dois. Os filhos vão agradecer por isso.
TPC da psicóloga para o fim de semana: As crianças ficam com os avós(tios, padrinhos, amigos)e os pais vão namorar.

Com regras e com amor,
A vossa psicóloga,

Ana Trindade

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